Dos Fatos à linguagem, da revolução lapaciana à pós-modernidade e os mesmos corolários

Era 1802 quando o ilustre físico Pierre-Simon de Laplace simbolicamente abria as cortinas para uma nova era no pensamento humano, com um dos mais épicos diálogos da história da ciência. Diz a anedota que, Napoleão, quando se deparou com o cientista, fez a pergunta que toda a Europa pretendia ter feito: “M. Laplace, me disseram que você escreveu este grande livro sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu Criador.” A resposta de Laplace foi incisiva: “Não foi necessária tal suposição.” Em 1814, após a morte de Napoleão, Laplace acrescentou que “a curva descrita por uma simples molécula de ar é regulada de modo tão certo quanto os planetas”, para depois concluir que o destino de todo átomo no universo é matematicamente previsível, em princípio, pelas forças da natureza. E assim as portas do determinismo científico foram escancaradas. Deem-nos as condições iniciais e as equações das forças da natureza e tudo o mais pode ser conhecido pelas leis do movimento. Se, em teoria, todos movimentos podem ser previamente determinados, então o corolário é óbvio: não há livre-arbítrio.

Cem anos se passaram, vieram a teoria do caos e a mecânica quântica e as teorias sociais deterministas falharam miseravelmente. A modernidade, então, se descambou em puro pessimismo, mas sem perder a essência do corolário laplaciano. A busca da generalização, ao modo da ciência, passou a ser escarnecida como “positivismo”, e a “teoria” passou a se tornar um conjunto de reflexões pessimistas e obscuras sobre a inacessibilidade do outro e seus significados. Com efeito, Wittgenstein disse uma vez – no decorrer da formulação de sua filosofia inicial, subsequentemente repudiada – que o mundo não é a totalidade das coisas, mas dos fatos. Na atmosfera intelectual atual, sente-se que o mundo não é a totalidade das coisas, mas os significados. Tudo é sentido e o significado é tudo, e a hermenêutica é seu profeta. Na pós-modernidade, o movimento e suas ideias são demasiados etéreos e voláteis para serem capturados e apreendidos com precisão.

Dos fatos à linguagem foi a saga que a modernidade cumpriu e toda a subjetividade com respeito ao mundo externo trouxe uma certeza estonteante: mesmo que não pudéssemos ter certeza do mundo exterior, poderíamos pelo menos ter certeza de nossos próprios sentimentos, pensamentos e sensações. Se estas são engendradas por significados impostos a matérias-primas incipientes e incoerentes, e os significados vêm em pacotes culturais contraditórios, então essa certeza e ponto de descanso não podem ser encontrados dentro de nós, sequer por auto-reflexão, mas apenas socialmente. A verdade é então elusiva, polimorfa e subjetiva.

Nós somos construídos socialmente, argumentam os pós-modernos, e nós não estamos, mesmo enquanto adultos, conscientes da construção social por trás do nosso discurso. Nós podemos pensar que estamos falando livremente e fazendo nossas próprias escolhas, mas a mão invisível da construção social está fazendo de nós o que realmente somos. O que você pensa e o que você faz e mesmo como você pensa é governado pelas suas crenças subjacentes adquiridas por meio da linguagem e seus significados.

Claro está, o corolário laplaciano segue: não pode portanto haver livre-arbítrio. Mas tudo fica ainda pior quando levamos o raciocínio ainda mais adiante. Vejamos. Se o discurso é em si algo distintivo porque constrói quem somos e está por trás de todas as ações nas quais nos engajamos e se, como uma forma de ação, ele pode e faz mal a outras pessoas, e se, por fim, toda a sociedade deve aceitar que qualquer forma de ação danosa precisa ser restringida por lei, então nós precisamos aceitar a censura. Tudo o mais no ativismo pós-moderno pode então ser resumido nesta única palavra: censura. 

A vida em sociedade passa então a ser a luta de todos contra todos em uma indelével e inexorável jornada de agressões entre distintas comunidades linguísticas, pois se grupos diferentes são construídos de formas diferentes de acordo com sua linguística e origem distintas – brancos e negros, homens e mulheres são exemplos -, e uma vez que universos linguístico-sociais e ideológicos distintos necessariamente entram em conflito, então o discurso dos membros de cada grupo é visto como um veículo pelo qual os interesses concorrentes dos grupos entram em combate.

E não haverá forma de resolver o conflito, porque dessa perspectiva você não pode dizer, “vamos resolver isso de forma racional”. O que a razão é, é em si construída por condições anteriores que fizeram quem você é. O que parece racional para você não é o que é racional para o outro grupo. E de fato, onde pode haver razão onde não há livre-arbítrio? Consequentemente, toda a discussão necessariamente se reduzirá a ver quem fala mais alto e o convívio social é todo reduzido a mera política. Não há portanto outra saída para a pós-modernidade senão a barbárie. 

Por Lacombi Lauss

O Feminismo e o Declínio da Felicidade da Mulher

Na metade da década dos anos 60, Betty Friedan, uma ativista feminista marxista, retratou em seu livro “A Mística Feminina” que as donas de casa suburbanas viviam um “confortável campo de concentração”. A ideia era promover a transformação das relações sociais e da sociedade, partindo da narrativa dicotômica da luta de classes do marxismo: burguês capitalista x trabalhador proletariado, estendendo-a para o campo homem x mulher. De fato, dos anos 60 para cá, as organizações feministas passaram a funcionar como uma linha de montagem mecanizada, controlando o fluxo das ideias e padronizando as pautas que julgam importantes para todas as mulheres. Exemplo disso é a luta pela igualdade de gênero – entre os sexos – um dos principais temas do movimento feminista, que vendeu o conceito que o homem é naturalmente agressivo, opressor e é definitivamente bem mais remunerado comparado às mulheres que sempre foram oprimidas, vítimas e exploradas. Dessa forma, a velha retórica da luta de classes entre o capitalista e o proletariado foi substituída pela luta entre o opressor e oprimido. Assim, a segunda onda feminista constituiu o mito de que toda mulher é oprimida, portanto infeliz e rapidamente tornou-se um movimento político de escala global, com o slogan da “libertação da mulher”. A intenção era claramente fazer com que as mulheres acreditassem que, além de infelizes, a sociedade patriarcal roubava de todas elas grandes possibilidades e potenciais, tanto em instrução educacional e postos de trabalho, excluindo-as de vez da competição no mercado.

Curiosamente, ao contrário do que muitas militantes sessentistas poderiam esperar, o fato é que pesquisas indicam que as mulheres modernas estão mais infelizes com relação aos homens do que antes da revolução sexual propagada pela segunda onda feminista e consequentemente antes de conquistarem massivamente o tão sonhado espaço no mercado de trabalho. Um dos mais relevantes estudos nesse sentido data de 2009 e foi publicado no American Economic Journal: Economic Policy sob a autoria de Betsey Stevenson e Justin Wolfers. Intitulado de The Paradox of Declining Female Happiness [O Paradoxo do Declínio da Felicidade Feminina, em tradução literal], o estudo utiliza um método tradicional para o cálculo da sensação de felicidade humana, medida chamada de “bem-estar subjetivo”, que consiste, resumidamente, em uma série de entrevistas começadas com a seguinte pergunta chave: “Tomadas todas variáveis juntas, como você diria que vão as coisas hoje em dia, diria que está muito feliz, feliz ou não muito feliz?” Depois disso, os entrevistados são questionados sobre itens particulares a fim de complementar a pergunta chave com determinados aspectos de sua vida, como casamento, saúde, situação financeira e trabalho. Colocando as respostas umas relativas às outras e comparando com padrões dos últimos 35 anos, as estimativas mostraram que as mulheres se tornaram menos felizes com o tempo, tanto em termos absolutos quanto relativos aos homens. 

“E quanto menos felizes elas se tornaram?”, os pesquisadores se perguntaram. Dado que a variável dependente é de natureza qualitativa, deve-se ter cuidado ao interpretar essas grandezas. Segundo o estudo, em 1972, as mulheres eram mais felizes do que os homens, em média, e a mulher mediana era tão feliz quanto um homem no percentual de 53,3 da distribuição masculina. Em 2006, no entanto, a felicidade da mulher mediana foi menor do que a do homem mediano em 1972, enquanto que a mediana em 2006 foi levemente mais feliz do que sua contraparte em 1972. Comparando as medianas de 2006 com a distribuição para homens em 1972, vemos que a mulher mediana em 2006 é tão feliz quanto um homem no percentual de 48 em 1972 (quase 5 pontos percentuais abaixo de sua posição 34 anos antes), enquanto o homem mediano em 2006 é tão feliz quanto o homem no percentual de 50,7 em 1972. Em suma, o bem-estar subjetivo masculino aumentou ligeiramente, enquanto que o feminino, que em 1972 era relativamente maior que o masculino, ficou para trás e em 2006 registrou uma queda relativa com a de 34 anos atrás. Usando-se as médias do decaimento relativo ao longo dos 2006-1972 anos de estudo e multiplicando pelo tempo de 34 anos, conclui-se que a queda relativa da felicidade das mulheres foi de aproximadamente 13 pontos percentuais nesse meio tempo.

Com o ingresso no mercado de trabalho, a mudança no paradigma social das mulheres foi gritante, pois nos EUA pré-1970 a grande maioria dos homens mantinha empregos que permitiam que suas esposas mantivessem as funções de dona de casa e mãe em tempo integral. Além disso, é o período que o mercado soprava a favor da mulher, produzindo bens que facilitavam o trabalho doméstico e a criação dos filhos, como máquinas de lavar, secadoras e fraldas descartáveis. Mas se foi mesmo a vontade das mulheres sairem de seus lares para trabalharem fora, então por que elas estão relativamente mais infelizes? Segundo Phyllis Schlafly, advogada, escritora e fundadora do Eagle Forum, o problema é essencialmente psicológico, pois junto com as ideias da ascensão feminina ao mercado de trabalho, o movimento feminista também ensinou as mulheres a se enxergarem como vítimas de um patriarcado necessariamente opressor, onde seu verdadeiro valor jamais será reconhecido e qualquer sucesso está além de seu alcance. Stevenson e Wolfers, autores do trabalho citado acima,  seguem a mesma linha de raciocínio e defendem que o movimento de libertação das mulheres frustou suas expectativas, vendendo-lhes gato por lebre e fazendo-lhes sentir inadequadas quando não conquistam tudo o prometido pela utopia do empoderamento. Outra teoria indica que as exigências modernas sobre as mulheres que são simultaneamente mães e profissionais são enormes e muito difíceis de serem suportadas sem contrapartidas negativas físicas e psicólogas.

As revoluções de gênero não pararam por aí. No século XXI, o discurso feminista foi aumentado em doses cavalares e uma terceira onda, dessa vez pós-moderna, emergiu. Como se o erro da segunda onda não estivesse escancarado e um remédio tivesse de ser aplicado, as feministas de nossos dias decidiram que o problema na verdade é que suas predecessoras não foram suficientemente radicais. Ou seja, acharam um bêbado em coma e resolveram aumentar a dosagem de cachaça. Diante da insatisfação dentro do ambiente de trabalho, muitas vezes derivada de uma ilusão de empoderamento feminino, o vitimismo passou a ser aplicado em ambiente de trabalho. Agora, os protestos da vez, impulsionados pelo establishment midiático, por Hollywood, por músicos do cenário pop, por militantes de redes sociais e pelos chamados “digital influencers”, são majoritariamente sobre questões de trabalho – uma suposta remuneração inferior à dos homens, assédio moral e tratamento desigual. Emergiu então uma onda de policiamento pós-moderno que iniciou uma enxurrada de false flags e fake news sobre assédio de mulheres por homens. Dia após dia vê-se na imprensa e nas redes sociais relatos de supostos abusos e assédios em ambiente de trabalho, hashtags e histeria coletiva em torno de histórias que muitas vezes são reveladas falsas ou sem base criminal sólida.

As consequências da insatisfação da mulher no mercado de trabalho são bastante recentes e datam do início da segunda década do século XXI. Referindo-se à regra pessoal do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, de não jantar sozinho com qualquer mulher que não a sua esposa, o chamado efeito Pence é talvez o maior exemplo da reação do mundo corporativo à nova histeria feminista. Como um aparte cultural, muitos homens, principalmente os mais cautelosos, como o vice-presidente, tentam evitar situações potencialmente comprometedoras envolvendo o sexo oposto. De uma simples regra pessoal de Pence, a postura se tornou epidêmica no cenário corporativo e, com medo das reações feministas, homens de escalão relativamente alto no mercado de trabalho – principalmente de grandes empresas e também no setor financeiro – vêm criando uma série de novas práticas para se proteger de falsas denúncias de assédio por parte de mulheres potencialmente contaminadas pelo vírus do feminismo. Um dos maiores motivos para tal preservação é da opinião pública moderna na internet, que virou de cabeça para baixo um dos maiores cânones do Direito Ocidental, a saber, o ônus da prova é de quem afirma. Fenômeno comum em nossos dias, uma típica acusação de assédio em redes sociais, independente de ser falsa ou não, é suficiente para destruir a reputação do acusado e de sua empresa, condenando-o ao limbo social por tempo indeterminado. Os tribunais virtuais de hoje se tornaram mais severos que a justiça comum, julgando casos de interesse dos justiceiros sociais com muito mais rigor que a justiça comum e impultando acusações e condenações bem antes do processo investigativo e da elaboração das provas. 

Uma matéria recente da Bloomberg enumerou alguns exemplos bastante ilustrativos do que vem ocorrendo em setores importantes do mercado financeiro. Em entrevistas anônimas – precisamente para evitar exposição pessoal ao crivo de justiceiros sociais -, homens relataram práticas como evitar reuniões oneonone com mulheres ou reuniões a portas fechadas; manter distância de mulheres em ambientes sociais como elevadores; evitar convidar mulheres do trabalho para o happy hour após o expediente e até de festas relacionadas às empresas; não sentar ao lado delas em reuniões; e não ficar no mesmo andar de hotel que uma mulher do trabalho. Por razões óbvias, poucos aceitam falar abertamente sobre o assunto. No entanto, em particular, muitos dos homens entrevistados reconheceram que estão a imitar Pence, dizendo que não é confortável ficarem sozinhos com colegas do sexo feminino, particularmente jovens ou atraentes, por medo de boatos ou da, como disse um deles, responsabilidade potencial. Um gestor de uma firma de investimentos revelou que nunca mais terá uma reunião com mulheres numa sala sem janelas ou paredes de vidro; e que nos elevadores mantém distância das colegas. Um homem com mais de 40 anos que trabalha em um private equity definiu uma nova regra, que foi sugerida pela sua mulher que é advogada: nunca participar de jantares de negócios com uma mulher com menos de 35 anos.

Tais fatos implicam que o tiro saiu pela culatra e o feminismo virou um empecilho para que seu próprio plano seja concretizado, pois a maneira mais comum de ascensão no mercado é por via dos chamados mentores ou orientadores, pessoas com muita experiência profissional em posição de liderança nas empresas e geralmente ocupando os cargos de maior hierarquia. E um fato um tanto incômodo para as feministas é que a grande maioria dos mentores hoje é formada por homens. O professor Belle Rose Ragins, da Escola de Negócios de Lubar, vem estudando a diversidade no local de trabalho há décadas e para ele a orientação está dentre as principais formas de alcançar a igualdade no trabalho. “Nossa pesquisa descobriu que a mentoria é uma das principais estratégias utilizadas pelas mulheres que chegaram ao topo”, explica. Ainda segundo as pesquisas de Ragins, “os mentores masculinos são particularmente importantes, pois os homens geralmente têm mais poder do que as mulheres na maioria das organizações”. Mas no entanto, como sabemos, os homens não se sentem mais confortáveis ​​em proteger as mulheres sob suas asas. Essa é também a conclusão alcançada por Sylvia Ann Hewlett, CEO do Center for Talent Innovation. “Nossa pesquisa mostra que cerca de 64% dos homens mais velhos evitam interações solo com mulheres júnior porque temem rumores sobre seus motivos”, diz ela em pesquisa feita ainda antes de histerias coletivas como o “#MeToo” – um movimento de redes que começou em outubro de 2017 como um hashtash usado por atrizes para denunciar supostos abusos sexuais em Hollywood e que rapidamente viralizou, expondo homens como predadores pervertidos quase sempre sem provas. Trata-se de uma encruzilhada difícil de escapar e que pune severamente tanto as próprias feministas quanto mulheres alheias à ideologia. 

Como todo movimento coletivista, o feminismo universalizou os fins, ditando regras de cima para baixo a respeito do convívio social de todas as mulheres e instituindo, ao longo da segunda metade do século XX, a necessidade de um suposto empoderamento das mulheres que significou na prática o abandono do lar e a terceirização do cuidado dos filhos em prol de uma carreira profissional que não necessariamente trouxe felicidade às mulheres, ao contrário do prometido pela propaganda feminista. Os gostos e preferências são subjetivos e cada mulher tem suas metas de vida e que muitas vezes escapam aos planos traçados pelos complôs feministas. A ideia de que as mulheres podiam tudo, ilustrada pelo slogan “we can do it”, passou a ilusão de que a ascensão profissional feminina iria proporcionar uma realização automática, o que obviamente trouxe ainda mais frustação às mulheres. E como em todo movimento vitimista, a culpa da insatisfação pessoal foi colocada nas costas dos opressores, a saber, dos homens, tanto por uma suposta discriminação generalizada no ambiente de trabalho quanto por uma ausência de ajuda nas tarefas domésticas. Não é novidade esse tratamento do fracasso: na história do marxismo moderno, inventou-se sucessivas desculpas para o encadeamento de fracassos que o movimento colecionou ao longo do século XX. Toda ideologia que tem como fundamento a opressão de classes está condenada a alimentar eternamente as mágoas de seu sistema de vitimização. E, como disse Phyllis Sclafly, as mágoas são como flores – se você as rega, elas crescem, e a vitimização auto-imposta não é uma receita para a felicidade.

Por Lacombi Lauss

[Este texto foi feito em colaboração com a Dezy Fukushima, a quem agradeço muito o apoio a voltar a escrever.]

Uma simples refutação do consequencialismo

Refutando o consequencialismo ético em duas etapas.

Primeiro, provamos que o determinismo é falso. Determinismo é a posição filosófica que, para cada evento, incluindo a ação humana, existem condições que não poderiam causar nenhum outro evento. Isto implica que não é possível persuadir os outros de uma posição filosófica. Tal rigorosa determinação de nossas ações – e, portanto, de nossas posições filosóficas – significaria que elas foram completamente dependentes de eventos passados fora do nosso controle presente, e, portanto, não são modificáveis por argumentação. Mas o esforço para persuadir os outros de sua posição filosófica é uma condição da argumentação racional. Assim, para defender o determinismo é preciso tentar convencer alguém de que é impossível convencê-lo de qualquer coisa, o que é uma contradição performativa. Portanto, o determinismo, sendo indefensável, deve ser falso.

Com o determinismo refutado, obtemos o seguinte corolário, que é sua negação: duas pessoas que se encontram em situações idênticas e que tomam ações idênticas podem experimentar resultados diferentes, uma vez que o futuro não é diretamente cognoscível pela extrapolação do passado. Independentemente dos próprios critérios para distinguir boas consequências de más consequências, as situações podem ocorrer com boas consequências em uma ocasião e com más consequências em outra. Assim, a mesma ação tomada sob as mesmas circunstâncias pode ser tanto para o bem quanto para o mal. Isto é uma contradição, portanto consequencialismo é falsa.

A única maneira de contornar este argumento é a alegação de que o determinismo é compatível com a tentativa de alterar a mente, na qual um argumentador pode ser determinado a tentar convencer alguém de algo e que o ouvinte pode estar determinado a ser persuadido. Mas isso deixa uma pessoa sem vontade de fazer escolhas e, portanto, nenhuma moralidade é possível. O niilismo moral resultante iria também derrotar o consequencialismo, mas tal niilismo moral também é falso por contradição performativa, uma vez que o ato de argumentação implica que existem normas comportamentais preferíveis.

Por Lacombi Lauss

Contra a pornografia

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Introdução

Em nossos tempos, está cada vez mais comum vermos pessoas insatisfeitas com seu país ou até com o mundo moderno em geral, apontando que da política só sai decepções e que a luta por melhorias sócio-culturais está praticamente perdida. Como já expliquei em um outro artigo, acredito que essa sensação geral, como mera intuição, está correta, embora muitas vezes por motivos errados. Independentemente dos motivos, a questão central é: uma vez deixando de lado a via política, como proceder para progredirmos enquanto civilização? Neste texto, que espero ser o primeiro de uma série, vou apontar um problema que, creio eu, se mostra como um dos  grandes motivos de disfunções familiares dos tempos modernos: a pornografia. Antes de mais nada, nunca é demais frizar que pretendo aqui apenas aconselhar pais e mães, apontando soluções de âmbito estritamente familiares, sem jamais querer passar por vias políticas. De antemão, deixo claro que a proibição, por via da lei, da pornografia é logicamente incompatível com as doutrinas racionais do direito e, na prática, é contraproducente, da mesma forma que leis anti-prostituição o são. Dito isto, vamos ao que nos interessa aqui.

A primeira reação de muitas pessoas quando ouvem falar do tema é dizer coisas como: “Por que diabos esse cara está preocupado com tema tão banal, de âmbito privado e que nada tem a ver com a vida dele?” ou “Se você não gosta disso, não consuma. Os outros que se danem.” Se eu conseguir demonstrar que (i) o tema não é tão banal como parece; e (ii) que o tema influencia de maneira extremamente negativa a salubridade familiar de milhões de pessoas e que portanto é uma questão de saúde pública – ainda que mental -, então terei cumprido o objetivo proposto por este texto.

A Ciência da Pornografia 

Bem, o que há então de demais em uma pessoa – digamos, um adolescente – ver um vídeo na internet de um casal copulando? Por mais surpreendente que pareça, a resposta é a mesma de uma outra pergunta, mais simples de responder. A saber: o que há de demais em um adolescente fumar um pequeno cigarro de maconha? A resposta à segunda pergunta, todo pai de família sabe dar: embora poucas doses de maconha não façam muito mal, a droga vicia e geralmente serve como introdução a outras mais pesadas. Com a pornografia acontece um fenômeno muito análogo, porém pouco conhecido. Com efeito, a pornografia causa um efeito biológico conhecido em inglês por “Chaser Effect”, que consiste em um aumento nos impulsos sexuais ou o desejo de se masturbar nos dias imediatamente após o consumo de pornografia, um efeito do tipo retroalimentativo. Isso é, em certo sentido, contra intuitivo, porque, em vez disso, esperamos que uma pessoa se sinta satisfeita após o consumo. Embora seja verdade que pode haver satisfação inicial e imediata, parece que isso, em alguns casos, pode ser bastante curto, substituído por insatisfação e desejo compulsivo. A explicação para isso é que, quando uma pessoa encontra uma abundância de algo muito gratificante, como comida ou droga, o aumento extraordinário de dopamina que é liberado sobrecarrega os centros de prazer do cérebro, fazendo com que eles podam os receptores da dopamina. Após este aumento, os níveis normais de dopamina já não são suficientes para satisfazer. A elevação recente é novamente exigida ou o cérebro se sente insatisfeito, como se estivesse faltando alguma coisa. Daí começa o vício começa e tende só a piorar.

Com a viciada disfunção hormonal, o corpo da pessoa tende portanto a necessitar de doses cada vez maiores de pornografia. Isto significa que uma mera cena de uma mulher nua passa a não satisfazer mais a pessoa, que passa então a procurar conteúdos sexuais cada vez maiores e mais bizarros. Do erótico passa-se a degenerações sinistras como bestialismo, cornismo, pedofilia, incesto, orgia, necrofilia, estupro e por aí vai. Não é por acaso que o famoso meme da internet, chamado de “Rule 34” (Lei 34), que diz: “se algo existe, então há pornô sobre isso – sem exceções”, é comumente aplicado como crítica aos mercados de pornografia. Abolutamente tudo o que nos cerca já virou tema de material pornô, desde coisas aparentemente inofensivas como a profissão de mecânico ou a de aeromoça, até bizarrices extremas como bonecos, carne morta e bebês. Uma pessoa viciada não perde tempo: em tudo que vê, pensa em pornografia e o mercado, como é de se esperar, atende a essa demanda. O maior problema, porém, é que as situações banais tendem com o tempo a induzir o viciado a consumir teores extremos e doentios. A pornografia sempre tende à perveção.

Uma explicação evolutiva para a crescente obsessão pela pornografia e também para a dificuldade de largar o vício pode ser dada pela teoria do gatilho compulsivo, que consiste em uma vantagem evolutiva em situações em que a sobrevivência é promovida por um comportamento posterior ao ponto de saciedade normal. Em pesquisas recentes, cientistas procuram aprender mais sobre compulsão alimentar em humanos e relataram alguns achados interessantes no receptor da dopamina (D2). Ao alimentar ratos com alimentos ricos em estimulantes – como cheesecakes gordurosos e salsichas -, eles observaram uma brusca redução do número de receptores D2 no estriado. Depois que os ratos comeram seu último pedaço de comida super gostosa, a densidade do receptor permaneceu baixa durante pelo menos duas semanas – a duração da experiência. Tal como acontece com o uso de drogas recreativas, o estriado reagiu à sobre-estimulação, porém, no caso da cocaína por exemplo, a densidade do receptor D2 volta em dois dias – embora outras mudanças possam continuar. Mas com comida – um reforçador natural – o esgotamento D2 continua por um período muito mais longo. É curioso que o esgotamento dura mais tempo após a comida, considerando que a cocaína causa uma explosão maior de dopamina. Algo mais sinistro estava acontecendo também. Analogamente ao que ocorre com o uso contínuo de drogas, os cérebros dos ratos registraram uma menor ativação do prazer. E apareceu um comportamento pós-compulsivo: a comida de rato padrão perdeu todo apelo. O consumo permaneceu inferior ao normal por semanas. “Cheesecake ou nada”, os ratos pareciam estar pensando. Trata-se de um exemplo de “gatilho compulsivo”, o mesmo fenômeno por trás da matança indiscriminada de dezenas de quilos de carne por lobos ou do estoque de comilança necessário no período de pré hibernação dos ursos polares: quando o cérebro primitivo de um mamífero percebe algo tão valioso, ele “manda” que possamos explorar a oportunidade de ouro novamente lá na frente e para isso ele tem que criar sentimentos de falta ou insatisfação para nos levar além de nossos limites normais.

Algo inteiramente similar ocorre com a pornografia. Com efeito, uma série de  trabalhos da Universidade de Cambridge, liderados pela neuropsiquiatra Valerie Voon, – veja aqui e aqui – encontraram o mesmo padrão de atividade cerebral em vícios pornográficos como o visto em toxicodependentes e alcoólatras. De fato, foi observado que os homens que se descrevem como viciados em pornografia (e quem perdeu relações por causa disso) desenvolvem mudanças na mesma área do cérebro – o centro de recompensas – que a dos toxicodependentes. Até recentemente, os cientistas acreditavam que nossos cérebros eram fixos, com seus circuitos formados e finalizados na infância. Agora, sabemos que o cérebro é “neuroplástico”, e não só ele pode mudar, mas que funciona alterando sua estrutura em resposta à experiência mental repetida. Um dos principais impulsionadores da mudança é o centro de recompensas, que normalmente dispara quando alcançamos um objetivo. Tal mecanismo de mudança se dá pela liberação de dopamina, dando-nos a emoção que acompanha a realização e também consolidando as conexões entre neurônios no cérebro que nos ajudaram a alcançar esse objetivo. Além disso, a dopamina é segregada em momentos de excitação sexual e novidade. Cenas de pornografia, cheias de novos “parceiros” sexuais, disparam o centro de recompensas. As imagens são reforçadas, alterando os gostos sexuais do usuário. Muitas substâncias abusadas desencadeiam diretamente a secreção de dopamina – sem que tenhamos que trabalhar para atingir um objetivo. Isso pode danificar o sistema de recompensa da dopamina. Na pornografia, obtemos “sexo” sem o trabalho de namoro. Agora, as varreduras mostram que a pornografia pode alterar o centro de recompensas também e com o mesmo mecanismo de dopamina. Outro ponto interessante é que os pesquisadores relataram que 60% dos indivíduos – em idade média de 25 anos – tiveram dificuldade em obter ereções e/ou excitações com parceiros reais, mas ainda assim conseguiram ereções com pornografia.

Convívio Social e o Mercado do Sexo

Fora os problemas psicológicos de dependência que a pornografia gera, pode-se também destacar suas consequências negativas para o convívio social, a cultura e a atividade sexual, bem como a procriação. Uma pequena amostra dos fenômenos de alteração na prática sexual causada por filmes pornô é dada por relatos de indígenas brasileiras acerca do estranhamento, por parte delas, acerca do comportamento sexual animalesco que seus parceiros indígenas passaram a ter após suas tribos terem acesso a seções de filmes pornográficos. A socióloga Barbara Aris conta que, quando chegou no Vale do Javari, “os Matis estavam muito interessados na nossa vida sexual. A pornografia era uma coisa nova e eles queriam entender.” Eles viam diversas práticas estranhas a eles que começavam a experimentar por causa dos filmes. Outra tribo analisada foi a dos Xavante, no Mato Grosso. O antropólogo Estevão Fernandes, da Universidade Federal de Rondônia, relata que, em suas visitas recentes à tribo, as mulheres têm se mostrado preocupadas porque seus companheiros, após o consumo de material pornográfico, passaram a tentar posições sexuais mais violentas e que as lembravam às de animais, uma novidade que foi incorporada a partir dos filmes pornô. Segundo David B. Samadi, Doutor em Medicina, presidente do departamento de urologia e chefe de cirurgia robótica no Hospital de Lenox Hill em Nova Iorque, tais mudanças se devem ao teor e ao conteúdo pornográfico hoje produzido. No médio a longo prazo, “você precisa de mais e mais estímulos já que você criou uma certa tolerância, e então surge a possibilidade com a sua esposa ou parceira, e você não é mais capaz de fazê-lo,” ele diz. Além dos comportamentos bizarros, a pornografia pode inibir a sexualidade das pessoas, e, eventualmente, elas podem chegar a ficar incapazes de se excitar com encontros sexuais casuais, Samadi explica. O médico especialista em ereção sexual masculina, Muhammed Mirza, relata que, em sua prática particular, de 15 a 20 porcento das disfunções eréteis que observou estavam relacionadas com o consumo de pornografia.

Isto se deve não só às mudanças nas químicas cerebrais que contribuem para disfunção erétil, mas também ao caráter irreal do conteúdo pornográfico que distorce a realidade sexual, trazendo práticas irrealizáveis para os casais comuns. Ainda segundo Samadi, “muitas das imagens que aparecem na pornografia são irreais e aumentadas. […] Ninguém pode seguir com isto por horas.” Obviamente, o contato íntimo e real entre casais é delicado, sempre imperfeito, envolve uma série de sutilezas, podendo ser muito rápido, demorado, dolorido, dentre outras características que não encontramos nos filmes pornôs, onde o sexo é fácil e impessoal. Com o consumo de pornografia, a pessoa se torna vítima de uma realidade virtual, que falsifica as relações interpessoais, e sua capacidade de interação, principalmente com pessoas do sexo oposto, fica prejudicada. As situações totalmente bizarras e surreais da pornografia criam expectativas totalmente equivocadas sobre como deve ser a interação entre os sexos.

O Caso Japonês 

Com um imenso e altamente degenerado mercado pornográfico, onde se produz mais de 20 mil filmes pornô por ano, o Japão nos serve como um laboratório macro que ilustra todos os fenômenos citados acima, vivendo hoje uma intensa crise sexual envolvendo a população jovem. Tal questão já vem sendo considerada um problema de saúde pública e o próprio governo japonês vem financiando pesquisas nesse sentido a fim entender o problema demográfico que o país vem passando. Em uma delas, o Instituto Nacional de População e Pesquisa da Segurança Social entrevistou mais de 5 mil solteiros com idades entre 18 e 34 anos sobre suas atividades sexuais. Foi constatado que 42% dos homens e 44% das mulheres nunca fizeram sexo e que dentro da população japonesa de 18 a 34 anos, quase 70% dos homens solteiros e 60% das mulheres não casadas não estão em um relacionamento. Além disso, a pesquisa, realizada em junho de 2015, mostrou que o número de pessoas que permanecem castas no Japão tem aumentado com o passar do tempo. Futoshi Ishii, que lidera a instituição que realizou o estudo, disse que a raiz do problema parece estar no abismo entre como as pessoas imaginam que a vida deveria ser e como ela realmente acontece. Segundo ele, os jovens japoneses “querem se casar eventualmente. Mas eles tendem a abandonar a ideia, pois há lacunas entre seus ideais e a realidade.” De fato, o Japão tem um mercado pornográfico enorme e um dos mais bizarros do mundo, onde constantemente são explorados temas como incesto, pedofilia, pornô 2D com mulheres irrealistas, estupro, dentre outras barbaridades. As mulheres apresentadas nos mangás e nos hentais são diametralmente opostas às japonesas e tem características excessivamente avantajadas, que as mulheres reais não têm: seios enormes, olhos grandes, cintura muito fina, traseiro avantajado, cabelos coloridos e nariz empinado. Certos mangás e o próprio hentai, termo que em japonês significa “condição diferente do normal, estado anormal ou patológico” ou “parafilia, disfunção sexual, sexualidade fora do normal, perversão” já sofreu sugestões de proibição, por parte de organismos internacionais, devido aos seus conteúdos pedófilo-pornográficos extremos que podem servir de estímulos às práticas de pedofilia.

Devido aos baixos índices de casamento e reprodução, a população japonesa está em grave declínio numérico. Em um censo realizado em 2010, os números revelavam que a população japonesa tinha parado de crescer. Já em outro censo, realizado seis anos depois, foi registrada uma população de 127,1 milhões, menos 947 mil pessoas. É o primeiro declínio populacional registado desde 1920. Projeções do governo japonês indicam que em 2060, cerca de 40% da população terá mais de 65 anos e que o país terá perdido um terço dos habitantes. Contudo, os japoneses não deixaram a sexualidade de lado: o relacionamento virtual e impessoal está se popularizando entre os jovens e se tornando endêmico. Enquanto o mercado pornográfico japonês se mantém aquecido, filas de jovens podem ser vistas em Tóquio em frente a cortinas rosas, esperando sua vez para entrar em cabines telefônicas eróticas onde podem ligar para atrizes do mundo cibernético para falar de fetiches sexuais. Outros abandonam esposa e família para ficar com bonecas de silicone no perfil de mocinhas de mangá, mas em tamanho real. Tal fenômeno está se agravando: segundo profissionais do setor das bonecas de silicone, todos os anos cerca de 2.000 unidades são adquiridas no país, mesmo com os preços atingindo a marca de seis mil dólares a unidade. Mas não só de bonecas se satisfaz a nova geração de japoneses. Há registros de jovens no Japão se casando formalmente, e em cerimônias religiosas, com personagens 2D, como é o caso do jovem japonês apelidado de “sal9000” que em Tóquio se casou com Nene Anegasaki, personagem que era sua namorada no game do gênero simulador de namoro chamado “Love plus”, do Nintendo DS.

Conclusão

O Japão não é um exemplo isolado, sendo a pornografia no mundo inteiro um fato epidêmico que vem crescendo assustadoramente nas últimas décadas. Segundo levantamento do antigo site PornHarms, existem mais de 4.2 milhões de sites pornográficos na web, atingindo cerca de 72 milhões de usuários por mês, a maior parte consistiuída de jovens entre 12 e 17 anos. A indústria do sexo já lucra hoje em dia mais que Hollywood ou ainda, mais que as companhias de alta tecnologia como Google, Microsoft, Yahoo, Apple, Netflix, EBay e Amazon todas juntas. É claro que os problemas sociais envolvendo queda de natalidade, disfunção sexual, baixas no matrimônio, divórcio, dentre outros, não são explicados apenas pela forte influência que essa indústria tem nas vidas do jovens de nosso século, mas também por questões culturais, políticas e religiosas. Por outro lado, é inegável o papel de destaque que a pornografia tem para perpetuar esses males. Se você preza pela sua família e, de modo geral, pela salubridade civilizacional, então deve desde já a ensinar seus filhos a ter uma postura contra a pornografia e suas influências na sociedade, pois como em qualquer problema comportamental, sua solução começa em casa. Shelley Lubben, ex-atriz pornô americana e uma das principais lideranças antipornografia da atualidade, fundadora da Pink Cross Foundation, quando questionada sobre o que diria a alguém que está consumindo pornografia, disse: “Você está contribuindo para sua própria morte.” E acrescentou sem titubear: “E para a morte da sua família, e da sua esposa. Um sem número de pessoas viciadas em pornografia chegaram a perder suas famílias e seus empregos em virtude do vício.”

Por Lacombi Lauss

 

Tirania, Poder e Obediência

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem. Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

— Sermão do Bom Ladrão, Pe. Antônio Vieira

É estarrecedor notar o véu de respeito que têm os políticos diante de nossa sociedade. E não só os políticos, mas também grandes traficantes, chefes de quadrilhas e mafiosos. O roubar muito parece cobrir o ladrão de uma áurea de respeitabilidade perante a opinião pública. Como nos mostra o Sermão do Bom Ladrão do padre Antônio Vieira, datado de 1655, tal fenômeno é bastante antigo e já foi diagnosticado no passado distante. Hoje, porém, ele toma dimensões mais preocupantes, haja visto o grau de santidade que o chamado Estado Democrático de Direito tomou, e junto com ele, a ideia de que todas soluções para os problemas em sociedade passam por políticos ao mesmo tempo em que sabidamente todos eles não passam de vigaristas salafrários, boçais sem nenhum pudor e inibição moral para práticas sistemáticas de furtos.

Onde mais um político conseguiria tantos olhos para espionar você, se você mesmo não tivesse propiciado a ele? Como ele poderia ter tantos punhos para agredir você, se você não tivesse emprestado os seus a ele? Os pés que marcham pelas cidades, de onde eles os tirariam se não pudesse contar com os seus pés? Como ele tem tanto poder sobre você que não seja através de você? Como ele poderia atacar você sem contar com a sua colaboração? Eis um dos maiores mistérios da Filosofia Política: por que o ser humano se auto subjuga à servidão voluntária diante de crápulas imundos? Em seu Discurso da Servidão Voluntária, Étienne de La Boétie escreveu um dos maiores clássicos da literatura política ao analisar essa questão. Em essência, La Boétie concluiu o mesmo que Vieira, a saber, que em última análise, toda a legitimidade dos tiranos vem da anuência da maioria de seus súditos, que, por sua vez, tem origem na carência de virtudes no povo. Não que este seja culpado pela tirania, mas que ele é o único capaz de romper o ciclo de sua própria escravidão e isto consiste essencialmente em um problema moral e não de força bruta, pois se: “decidi não mais servir e sereis livres; não pretendo que o empurreis ou sacudais, somente não mais o sustentai, e o vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.” (La Boétie)

Roubar pouco faz do homem um marginal e roubar muito, um político. Estamos esperando o que para dar aos segundos o desprezo que damos aos primeiros na proporção de suas vilanias?

Por Lacombi Lauss

John Locke e o pós-modernismo

John Locke, uma das mentes mais brilhantes de seu tempo, lançou duas teorias que no futuro seriam colocadas em prática e que teriam consequências desastrosas para o atual Ocidente. A primeira, foi seu contratualismo que deu origem às modernas democracias, cuja expansão e funcionamento saíram completamente do controle institucional e hoje nada mais são que ditaduras corporativistas controladas por forças maiores que escapam completamente do tal “consentimento” civil, que segundo Locke daria origem ao Contrato Social. Mas esse não é meu ponto nesse post. Isso já é deveras conhecido por qualquer um que não manteve a cabeça enfiada na areia nos últimos anos e, em particular, no atual cenário político americano.

Quero me referir à sua menos conhecida ideia de tabula rasa. A ‘tabula rasa’, em Latim, significa ‘tábua raspada’ ou para nós, que um bebê nasce sem ideias preconcebidas, que sua mente é uma página em branco. De acordo com tal hipótese, a cultura escreve sobre essas páginas em branco, moldando o indivíduo até ele conformar de acordo com normas sociais. O pensamento da tábua rasa está entre nós há muito tempo, mas alcançou seu zênite entre 1970 e 1980, quando a filosofia pós-moderna se tornou popular. O pós-moderno Michel Foucault encarou a biologia e a medicina com suspeição. Ele caracterizou instituições produtoras de conhecimento, como a clínica médica, como potenciais ferramentas de opressão.

Hoje, as noções pós-modernas oriundas da tabula rasa lockeana vem ameaçando gravemente a saúde das mulheres. Dadas as diferenças biológicas entre os sexos, doenças costumam agir de forma distinta nos sexos: as cardíacas – as doenças que mais matam mulheres na Austrália – afetam homens e mulheres de maneira diferente. O cérebro de mulheres também é mais sensível à deterioração neuronal. Isso faz com que o Alzheimer seja mais prevalente entre mulheres se comparadas com homens. Segue-se que pesquisas focando nas diferenças sexuais de homens e mulheres ao nível neuronal é um problema da saúde da mulher. Contudo, pesquisadores de medicina e saúde, incluindo neurocientistas e psicólogos, evitam estudar diferenças sexuais por medo de serem rotulados de “sexistas”. Para a pós-modernidade, pesquisar sobre diferenças sexuais reforça uma dicotomia cultural opressiva. Militantes SJW rotulam neurocientistas que publicam trabalhos em diferenças sexuais, rejeitando os trabalhos como “neurosexismo” ou “neurolixo”. E com isso, pesquisadores que desejam carreiras livres de controvérsias e de boicotes do PC, têm evitado tais áreas de pesquisa.

Em nome da mulher, os SJW têm dificultado pesquisas que poderiam salvar milhões de mulheres de doenças graves. Isso sem contar as inúmeras fanfics e falsas denúncias que eles fazem de agressões a mulheres, criando ceticismo desnecessário perante a denúncias sérias e realistas. Depois do Islã, o pós-modernismo é hoje o inimigo número 1 das mulheres.

Por Lacombi Lauss

Dos vícios filosóficos modernos

Se eu fosse dar uma dica para alguém que queira se aproximar da coerência, ela seria: fuja de atalhos. Não existe atalho nem vida fácil na filosofia. Dentre eles, o mais comum é a tendência, natural em nosso modo de pensar, de tentar encontrar dicotomias, dado o vício de muitas vezes pensarmos por exclusão. O século XIX, onde se originou boa parte dos cânceres filosóficos que vemos hoje, foi o responsável por sistematizar e deturpar duas dicotomias introduzidas no século XVIII – em contextos distintos. De lá para cá, o pensamento filosófico criou certos dogmas, que em virtude da realidade acadêmica hermética, jamais foram questionados e tidos como verdades inquestionáveis. É quando o secularismo encontra sua fé.

Vou dar um exemplo que me incomoda muito, que diz respeito aos chamados “cientificistas”, mas que pode ser facilmente generalizado para outros casos. Foi ao longo do século XIX que desenvolveu-se uma visão na qual os ditos valores morais e éticos foram aos poucos relegados a um segundo plano, preteridos pelos chamados “fatos” da ciência. Essa visão afirmava que os valores são não-objetivos, variam de cultura a cultura, de indivíduo a indivíduo, (notem a semelhança com o caso da apreciação artística. Não é coincidência) são objeto de intermináveis e cansativas disputas filosóficas que não chegam perto de um fim e que não podem ser determinados para além de controvérsias. Por outro lado, nos tratados modernos, os fatos da ciência, principalmente aqueles da Física, são objetivos, gozam de um limitado espaço para controvérsias e alcançavam a concordância geral de todos os homens racionais. Assim, no positivismo lógico, essa visão chega à uma formulação madura, na qual os valores são tidos como “expressões de tendências subjetivas”, e as proposições éticas e metafísicas são relegadas à categoria de pseudoproposições sem sentido.

Contudo, sem valores não existem fatos – vale a recíproca também! Em outras palavras, estamos em face de uma falsa dicotomia. Com efeito, nosso critério de aceitabilidade racional depende de um corpo de valores que vão muito além da mera verificabilidade dos fatos empíricos, de modo que é impossível criar um critério de verdade científica que esteja para além de todas as infindas disputas da metafísica e da ética. Se considerarmos qual critério de aceitabilidade racional que é revelado ao olharmos o que cientistas e as pessoas em geral consideram racional aceitar, veremos que o que se quer construir é uma representação do mundo que seja instrumentalmente eficaz, coerente, compreensiva e funcionalmente simples.

E um tal sistema de representações é parte de nossa ideia de um florescimento cognitivo humano vigoroso. Só há um mundo empírico, só há descrição de um mundo, porque há um tal critério de aceitabilidade racional. Se consideramos os valores como algo acessório, sem assertibilidade e cognitivamente vazios, como sustentar que teorias científicas devem ser coerentes, simples, instrumentalmente eficazes? Acaso coerência, simplicidade e eficácia não são valores? Sem tais valores não existe mundo ou fatos. A ciência não busca somente teorias universais e verdadeiras sobre fenômenos empíricos, mas teorias verdadeiras e relevantes. Preferir verdade à mentira é um valor. Relevância também traz consigo uma série de valores e interesses.

Por Lacombi Lauss

Da origem do pós-modernismo

Os pós-modernos que tiveram maior fama nos anos 70, 80 – pessoas como Foucault, Deleuze, Derrida, Lyotard, Richard Rorty e assim por diante -, tinham sido todos homens jovens nos anos 50 e 60, e assim vivenciaram a crise de socialismo. Todos eles eram, em sua juventude, defensores de uma política de extrema esquerda. Quando veio a crise do socialismo, surgiu a pergunta: O que você vai fazer? Aqui, eles se depararam com um movimento – a ideologia socialista – que pensou-se ser belo, verdadeiro e nobre; a ideia que vai curar todos os problemas do mundo. Agora ele está sendo golpeado por argumentos teóricos que parecem ser incontestáveis e por eventos práticos que fornecem toneladas de evidências minando-o e mostrando que o odiado sistema capitalista é superior. Como lidar com essa crise, psicológica e intelectualmente?

O pós-modernismo, no âmbito da política, deve ser entendido como a maneira que um número significativo de socialistas de extrema esquerda lidou com essa crise. Das duas alternativas possíveis: “A lógica e a evidência mostram que o socialismo não funciona, que é desacreditado e, portanto, temos de abandonar o socialismo para nos atermos à lógica e à evidência”; e “Temos de manter nosso socialismo e nossa defesa dele, mas temos que atacar a lógica, a evidência e a razão como a última corte de apelação”, a última foi a que todas as epistemologias pós-modernas, céticas, subjetivistas e relativistas escolheram. Assim, se há argumentos contra o sucesso do socialismo e em favor do sucesso do capitalismo, você pode simplesmente descartar esses argumentos em bases epistemológicas, dando-lhe, de fato, um cartão de saída contra qualquer ataque racional ao seu sistema. O pós-modernismo, incluindo sua estratégia epistemológica, foi a única maneira, na última parte do século XX, de alguém manter sua fé no socialismo como uma ideologia.

De nada adianta portanto apontar contradições no argumento socialista ou evidências para seu descrédito se antes não se demonstrar que, desconstruindo a razão, não resta nenhuma diferença significativa entre o discurso new-left de nosso século e o grunhido de um cão.

Por Lacombi Lauss

Dentre todos os sitemas, tentados ou não, a democracia é um dos piores

Se você acha que os candidatos em um regime democrático são sempre iguais, não tendo diferença substancial alguma, então, no mínimo, se não é um libertário, você deveria ser um monarquista, porque ao menos o chefe de estado seria alguém minimamente educado e com fortes estímulos para aumentar o valor líquido das propriedades no país para manter ou até mesmo aumentar o valor da sua propriedade pessoal. Ao contrário de governos temporários, onde ninguém detém nada, o monárquico sistematicamente coibirá as suas políticas tributárias, pois, quanto menor for o grau de tributação, mais produtivos serão os súditos; e, quanto mais produtivos forem os governados, maior será o valor do parasitário monopólio da expropriação do governante – o que implica em uma baixa preferência temporal e um maior grau de civilidade.

Se, no entanto, você acha que com frequência há elevados graus de diferenças entre os candidatos, a ponto de valer a pena algum engajamento na política, então você tem ainda mais motivos para rejeitar governos eleitos por maioria. Pois uma decisão altamente importante na sua vida estará sujeita a mecanismos que fogem totalmente do seu controle com altíssima imprevisibilidade e elevados graus de margens de erros. Se apostar na Mega Sena já matematicamente uma burrice grosseira, imagine uma eleição democrática, onde o agente probabilístico é o homem, algo que sequer permite a existência de um espaço amostral. (tecnicamente falando, o que fundamenta o cálculo de probabilidade, é a listagem dos pontos amostrais e, para isso, admite-se os axiomas de Kripke. Um deles é que “se eu não sei, então eu sei que eu não sei”. Nas ciências sociais, listar a totalidade dos mundos possíveis – ou, pra ser mais claro, todas as ações que o homem pode tomar – é absolutamente impossível, haja visto a imprevisibilidade da ação humana e o seu subsequente elemento surpresa: aqui vale o “eu não saber e não saber que eu não sei”. É por isso que jamais existirão pesquisas eleitorais confiáveis.) Você delegaria fatores que influenciam decisivamente sua vida a um sistema intrinsecamente caótico?

O mais curioso no entanto, é que o homem moderno insiste em repetir o chavão burro de Churchill, que “a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras.” Poucas coisas da vida social moderna são mais descivilizatórias que a democracia e, de fato, até mesmo animais desenvolveram sistemas melhores. Já passou da hora do homem civilizado apresentar a democracia como aquilo que ela realmente é: um amplo esquema de corrupção em larga escala, sustentado por pura ameaça de violência e que está, e sempre esteve, completamente fora do controle dos homens comuns.

Por Lacombi Lauss

Hillary Clinton e a degeneração da esquerda ocidental

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Um fato digno de nota que pode ser observado nessas eleições americanas é como a esquerda ocidental entrou em franca decadência em virtude do advento do pós-modernismo. Não é de se estranhar o apoio que os eurasianos e os representantes da esquerda não-ocidental, como Slavoj Žižek, vem dando a D. Trump, mas sim a unanimidade que Hillary Clinton ganhou entre a esquerda das terras da Cristandade. A chamada Rainha do Caos desenvolveu ao longo de quase duas décadas uma relação muito próxima com republicanos intervencionistas radicais como John McCain e se comprometeu em fortalecer a aliança entre Arábia Saudita e Israel – que tem como objetivo derrotar Assad, fragmentar Síria e destruir a aliança xiita entre Irã, Assad e o Hezbollah – aumentando dramaticamente o risco de confronto militar com Rússia e Oriente Médio. Ao mesmo tempo, Hillary Clinton, junto com neocons republicanos, defende uma política beligerante contra Rússia na fronteira com a Ucrânia. Os meios de comunicação de massas no Ocidente se negam a dar conta que muitos observadores sérios, como, John Pilger, temem que Hillary Clinton nos conduza à uma Terceira Guerra Mundial. Ainda como secretária de estado, trabalhou lado a lado com a escória do PR e, essencialmente, adotou uma política neoconservadora utilizando o poder dos Estados Unidos para redesenhar o mundo a seu bel prazer. Além disso, Hillary não economizou no lobby com neocons ao unir-se com chauvinistas religiosos republicanos para apoiar medidas para fazer com que queimar a bandeira estadunidense fosse um crime federal.

Trump, embora um sujeito ignorante e sem firmeza, não se ajusta totalmente a este modelo. Com seus comentários grosseiros, ele se desvia ligeiramente do padrão dos lugares comuns que ouvimos dos políticos estadunidenses. Porém, os meios de comunicação mainstream têm sido lentos em reconhecer que o povo estadunidense está completamente cansado de políticos que se ajustam ao padrão, – padrão esse que é perfeitamente personificado por Hillary Clinton. Cadê os revolucionários da esquerda lutando conta o status quo estabelecido pela mídia e por Wall Street? No Ocidente, ela faleceu faz tempo e hoje o representa. Enquanto eles têm apresentado Hillary Clinton como a alternativa sensata e moderada ao Trump, o “bárbaro” está mais preocupado em reconstruir a infraestrutura do país em vez de gastar o dinheiro em guerras no estrangeiro. E o mais curioso é que antes de decidir apresentar-se como republicano, para consternação dos líderes do Partido Republicano, Trump era conhecido como democrata, um dos grandes financiadores da ala esquerdista do PD e era a favor de políticas sociais relativamente progressistas, à esquerda de muitos democratas, inclusive de Hillary Clinton.

O século XXI não é marcado apenas pela guinada ao populismo pelos conservadores, mas também pela degeneração da esquerda, que observa mais qual a cor da pele ou o órgão genital do parasita do que os interesses que ele de fato representa.

Por Lacombi Lauss